segunda-feira, 21 de março de 2011

O Vôo de Ícaro*

PAR LER OUVINDO:




Ícaro olhou pros seus pés. Estava descalço na chuva. Não sabia como, mas estava confortável naquele paletó molhado. Sentiu um vento forte bater em seu rosto, olhou para o lado e viu seu tio deitado em sangue agonizando sem os dois olhos. Pareciam terem sido arrancados com bastante brutalidade, pois haviam somente dois buracos e carne rasgada em seu rosto. Não se importou e foi andando até a borda do prédio. Percebera que estava no terraço do prédio do Nonato. O mais alto da cidade. Dali podia ver a matriz de nossa senhora da penha, a serra e a torre do prédio da cadeia municipal com um relógio que não já funcionava e nem sequer lembrava se algum dia o vira funcionando.
O garoto olhou e ignorou sua mãe que se equilibrava em um fio de poste com uma garrafa de Dreher na mão. Ela ria loucamente e chorava ao mesmo tempo. Ia andando no fio e por vezes quando o vento soprava, parecia que ia cair. Então parava, se equilibrava e voltava a andar.
Continuou caminhando até perceber que havia uma corda em seu pescoço. Esta terminava exatamente na borda do prédio. Parecia que a outra ponta estava amarrada a alguma coisa. Com curiosidade foi se aproximando do parapeito quando de repente a corda começou a apertar seu pescoço e a puxá-lo. Tentou se segurar, mas não conseguiu, o que quer que estivesse na outra ponta, era bastante pesado e o levava para a morte. Quase caiu quando chegou violentamente à borda. Segurou fortemente e olhou pra baixo, com a intenção de ver o que lhe puxava. E viu, viu que era o corpo estático e penso no ar de seu falecido pai que o puxava para baixo. Tentou soltar a corda do pescoço em vão quando mais uma vez sentiu um puxão. Lutou com todas as suas forças naquele cabo de guerra demoníaco até sentir suas forças cessarem e ceder ao adversário. Então foi arrancado da borda e caiu.
Parecia que estava caindo em câmera lenta, sentiu o vento no rosto, bailou no ar e olhou pro céu. Não queria morrer, tinha somente 14 anos e gostava da vida, dos amigos, das garotas que conheceu e até do seu trabalho. Amava viver. Porque morrer agora? Desse jeito? Não merecia viver? Percebeu que seu fim estava próximo quando olhou pra baixo e viu que o corpo de seu pai tocou o chão primeiro. Este caiu com um baque surdo na calçada da farmácia com os braços abertos como que dizendo: “vem filho, vem pros meus braços. Você não vai mais precisar se preocupar com nada, não vai mais sentir dor.”
Era isso. Por que se preocupar? Sempre quisera aquele aconchego e carinho do pai, sentira falta daquilo em toda a sua vida. O chão se aproximava cada vez mais, o vento zumbia em seu ouvido. Fechou os olhos e não sabia como, mas antes de cair na calçada, ouviu nitidamente, como se estivesse dentro da sua cabeça, o refrão daquela música do Bob Dylan: "The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind"
Ícaro abriu os olhos num pulo. Acordou suado e olhou pela janela do ônibus. Estava na outra banda, aquele quebra-molas era alto demais e sempre acordava os passageiros dorminhocos. Era o aviso de que estavam chegando em Maranguape. O garoto desligou o walkman amarelo e o guardou na mochila. Se levantou, pagou a passagem e desceu na praça da matriz. No caminho de casa foi pensando no sonho que tivera. Não lembrava muito mas sabia que sonhara com o pai. Começara a ter sonhos com ele fazia quatro meses, desde a sua morte. Acreditava que os culpados de seu suicídio e de todos os infortúnios de sua vida, eram aquele Alagoano escroto e aquela vaca descabelada, a quem o Brasil erroneamente colocou no poder como presidente e ministra da fazenda.
Como podia um país inteiro cair naquela armadilha chamada Plano Brasil Novo? Como seu pai, um homem que admirava por sua inteligência e perspicácia não desconfiara daquilo e até fizera campanha pró-caçador de marajás? Porque sua relação com o pai era tão difícil? Porque nunca dera atenção ao filho ou dissera que o amava? Não sabia. O vento soprava mas dessa vez, infelizmente, ele não trazia resposta alguma.

*Primeira parte do conto O vôo de Ícaro.

domingo, 20 de março de 2011

Um fiel cão farejador como alternativa para o careiro Sr. Saraiva e a distante Dona Cultura.



A nova loja sabujo.net, mantida por maranguapenses, repassa livros mais baratos do que as grandes livrarias e facilita a vida dos leitores da cidade.
“Atenção maranguapenses, chega de se deslocar até Fortaleza só para comprar um livro e, ainda sim, detestar o preço! Com o Sabujo, seus problemas acabaram”. Essa frase resume a proposta do novo site de livros intitulado Sabujo.net. O endereço, criado por três maranguapenses, está no ar há pouco mais de duas semanas, mas já alcançou mais de 800 visitantes.
“A ideia é vender livros mais baratos do que a Saraiva e a Cultura e, principalmente, privilegiar os maranguapenses, trazendo as novidades pra cá”, afirma uma das fundadoras, a jornalista Mayara de Araújo. Fazem parte ainda do projeto o professor e historiador Dhenis Maciel e o publicitário Mardônio Andrade. “Somos amigos há mais de dez anos e sempre fomos fissurados em livros. Achamos que muita gente daqui perde a oportunidade de adquirir suas próprias coleções porque não quer ou não pode se deslocar até Fortaleza e porque acha que tudo é muito caro. Queremos quebrar esse mito”, comenta Dhenis Maciel.

Redes
Assim funciona o site: acessando a página www.sabujo.net o visitante tem acesso aos livros que fazem parte do acervo inicial do endereço. São coleções de best-sellers, como Senhor dos Anéis,Vampire Diaries, Crepúsculo, Eragon e muitos outros. Há ainda quadrinhos, livros acadêmicos, pocket books em inglês e títulos de autores renomados como Jonh Grisham e Augusto Cury. Caso o internauta se interesse por algum dos títulos, pode encomendar ali mesmo, através de comentário, ou enviar um e-mail, garantindo maior segurança. Pode ainda fazer contato pelo telefone cedido na página.
A loja de livros está ativa também por meio das redes sociais. No Orkut, os clientes terão acesso aos dias em que a loja fará vendas presenciais, nas praças públicas de Maranguape, e poderão fazer encomendas. Através do Twitter, mais novidades: os seguidores concorrem a sorteiros de livros e a promoções de títulos ainda não postados no blog, através da hastag #ofertastuitadas. “Trabalhamos com livros usados também, mas o foco são livros novos, lacrados. Queremos para a clientela o melhor. A entrega é outra vantagem nossa, é algo mais pessoal e seguro: entregamos na mão do cliente, em sua casa ou em algum lugar marcado”, explica Mardônio Andrade.



Os preços variam de R$15 a R$25 reais cada livro, no caso de best-sellers novos, uma pechincha se comparado aos preços dos grandes livreiros. A loja, por enquanto, é virtual, mas os proprietários pretendem organizar periodicamente encontros nas praças públicas de Maranguape, para compras presenciais. O primeiro deles acontece no próximo sábado, a partir das 19h30. As vendas rolam ali pertinho do Corsa Sedan prateado, que serve de prateleira. Para acompanhar as vendas, nada melhor do que boa música. “Queremos criar um clima bacana, de amigos mesmo. Uma música legal no carro, livros, uma boa conversa. Isso é a cara da juventude de Maranguape e é o que queremos fazer”, afirmam os criadores.

Farejadores

Agora, não fique triste se você entrar no site e não encontrar o livro que procura. A grande proposta do Sabujo, para além da venda de livros já adquiridos, é a de fechar encomendas. O nome sabujo, inclusive, tem origem nisso. “Sabujo é o nome de uma raça de cães farejadores. Essa é a ideia: farejarmos o melhor livro e o melhor preço. As pessoas podem e devem encomendar conosco livros que estejam precisando. Existem clientes que, inclusive, nos procuram apenas com um tema e dizem: ‘procura bibliografia pra mim’ e a gente providencia uma lista de livros que possam interessar. Isso é o que a gente mais faz”, ressalta Mayara de Araújo.



E para os universitários e professores, uma ótima notícia: uma parceria fechada entre o Sabujo e a editora Artmed, maior produtora de livros técnicos do País, permitiu que o Sabujo oferecesse para os seus clientes livros acadêmicos com preços significativamente melhores do que os das grandes empresas. As opções são inúmeras: pedagogia, sociologia, administração, marketing, design, medicina, enfermagem, biologia, fisioterapia, fonoaudiologia, informãtica, matémática, física. Tem pra todos os gostos! O catálogo desses títulos está sendo preparado, mas os clientes interessados já podem consultar o site para saber o preço de qualquer título da Artmed. “Ficamos muito orgulhosos dessa conquista, porque sabemos da qualidade dos livros da Artmed. Os pedagogos e educadores em geral tem comprado vários títulos com a gente, porque os melhores estudos educacionais são editados pela Artmed”, revela Mayara de Araújo.

Mais informações:
Site: http://www.sabujo.net
Twitter: @sabujonet
No orkut, procure por Sabujolivros.net
Telefone: (85) 8738.8656
Estaremos na praça da Liberdade, em Maranguape, no próximo sábado, 26/03, a partir das 19h30.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Supernatural é uma família de sacis no Planalto Central*


Hoje resolvi comentar sobre uma série de TV que há tempos existe (desde 2005, mais precisamente) e que eu não dava nada por ela. Estou falando de SUPERNATURAL , uma série da Warner Bros que foi transmitida aqui no Brasil pelo SBT com o nome de SOBRENATURAL.
A série conta a história de Sam (Jared Padalecki) e Dean (Jensen Ackles), dois irmãos que são experts em caçar demônios, bruxas, vampiros e outros seres sobrenaturais e de lendas urbanas. Munidos com armas, água benta, livros religiosos de várias religiões e outros apetrechos, os irmãos cortam os EUA em um lindo e invejável IMPALA 67 preto à procura de John (Jeffrey Dean Morgan, esse cara parece o Javier Bardem), seu pai desaparecido e do ser sobrenatural que matou sua mãe. Nesse ínterim eles vão auxiliando pessoas que sofrem com atividades paranormais.
Os problemas aparecem e são solucionados no mesmo episódio. São casos que envolvem típicas histórias estadunidenses conhecidas como o Wendigo, Blood Mary, casas mal-assombradas, o homem com a mão de gancho e o espantalho. Me peguei pensando até como seria um episódio de SUPERNATURAL no Brasil. Será que eles iam fazer um episódio no estilo Vida Selvagem e bater atrás da mula sem cabeça e da caipora nas cidades do interior ou fariam parte de uma CPI que investiga os aparecimentos de funcionários fantasmas que assombram o Planalto Central e as prefeituras de todo o país? Essas histórias sim iriam deixar os protagonistas de cabelo em pé.
Nunca me apeteceu séries com a temática sobrenatural. Antes de conhecer achava que esta seria mais uma série do tipo Buffy – A caça vampiros ou Angel – Seu namorado vampiro whatever onde os protagonistas se envolvem amorosamente, caçam seres estranhos e todo mundo fica feliz e dorme tranqüilo no final. Mas não, o que me chamou atenção na série não foram os efeitos visuais (lembre-se, a série é de 2005 e tinha um orçamento baixo), mas duas coisas. 1- O ar investigativo que existe. Os protagonistas não esbarram aleatoriamente em fantasmas, eles procuram dia-a-dia em jornais, casos estranhos que ocorreram e vão investigar em bibliotecas e hemerotecas ou ainda com os moradores as histórias locais. Isso tudo não lembra Arquivo X? Quem curtiu muito e acompanhou a dupla Mulder e Scully no final dos anos 90 como eu, vai assistir com saudosismo essa série. Tudo bem, hoje em dia houve um boom de séries investigativas e até com outros temas como doenças (vide a série House) mas é aí que entra o meu segundo motivo: 2- família.
A família é o papel de fundo da série. Tudo começa e termina nela. A motivação dos personagens vai para além de vingança, parte para a compaixão. Uma das motivações dos irmãos é evitar que outra família passe pela mesma dor que eles passaram.
Como toda família, os personagens tem problemas de relacionamento, de brigas banais por coisas fúteis até discussões sobre o futuro e a vida de cada um. Sam quer vingar a morte da mãe, voltar para a faculdade e ter uma vida normal longe de fantasmas e demônios. Já Dean quer juntar novamente a família e juntos voltarem a caçar seres como em sua infância.  Os irmãos, mesmo sendo e tendo motivações diferentes, e por vezes passarem maus bocados por conta de brigas entre si (o que é comum em qualquer relação com irmãos), eles se cuidam e percebem a necessidade que um tem do outro.
Cheguei ao fim da primeira temporada e vi toda a parada sobrenatural como uma metáfora dos problemas familiares. Todos os dias todo mundo trava alguma luta familiar, seja contra os fantasmas do passado, os demônios interiores que magoam mães e filhos com palavras, as demoníacas sanguessugas que são o tabagismo e o alcoolismo, os espíritos malignos da incompreensão e da falta de diálogo, as entidades malignas stress e corrida pelo dinheiro que destroem bons momentos em família, os monstros da pedofilia e da agressão física ou contra as bruxas das feridas psicológicas e da falta de carinho. Seres que nenhuma arma daquele Impala preto possa surtir efeito.
Enfim, SUPERNATURAL vai agradar ainda os fãs do bom e velho rock. A trilha sonora é cheia de músicas conhecidas como: Back In Black do AC/DC, Paranoid do Black Sabbath, I Can’t Stand It de Eric Clapton, Cochise do Audioslave e muitas outras de várias bandas. Vale dar uma conferida nessa série que está há muito tempo no ar e que faz muito sucesso lá fora.
Atualmente, SUPERNATURAL está na sua sexta temporada e pretende continuar fazendo dinheiro.
Ps.: aos que assistiram Watchmen e virem SUPERNATURAL: agora nós sabemos para onde o comediante foi depois de voltar da guerra do Vietnã.

*esse post foi feito para um outro blog, o Estante 6. Como quase ninguém viu e o blog  já morreu, postei meu texto aqui.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Lovely Freak Show

PARA LER OUVINDO:


 Estava tocando “Me Chama Que Eu Vou” na vitrola quando o anão do circo, Beto Pé Grande, entrou em seu trailer. Sempre odiara aquela novela, Rainha da Sucata. Odiava lambada, Regina Duarte, Laurinha Figueroa, Sidney Magal e agora sua esposa.

              -Ana de Amsterdan! Sua vadia!  Gritou ao abrir a porta.

              -Tá ficando louco ô lenhador de bonsai? Respondeu Ana, a mulher barbada.

              -Não me venha com história! Eu sei que você está tendo um caso com o mágico.

Ana se enfurece, sente os pelos da barba se arrepiarem e grita:

               -Quem? Eu? Tá louco?

               -Sim! Eu soube que ele estava alisando sua barba e que a senhora limpou os arcos e a varinha dele.

               -Isso só pode ser piada. Quem inventou isso?

               -Não importa!

               -Importa sim senhor! Diga agora qual foi o palhaço que inventou isso? Ou eu porei fogo em seu triciclo!

São cinco elementos apunhalando o coração. O fogo, a terra, a água o ar e a paixão...

            Canta Sidney Magal na vitrola enquanto betão baixa a cabeça, fica pensativo por alguns instantes, pensa na falta que faria o vento no rosto e a sensação de liberdade que o triciclo sempre lhe proporcionou e diz:

               -Foi o caçarola. Eu estava no bar com ele, os outros palhaços e os acrobatas.

               -Aí você chega aqui e me acusa? Sem nem saber se é verdade? Palhaçada viu? Olha, posso ser Ana do dique e das docas, da compra, da venda e do caralho! Mas não sou infiel. Eu sempre lhe respeitei seu vigia de casa de boneca! E outra, se você não sabe, no penúltimo espetáculo, o mágico entrou pela cartola e saiu do armário. Ele tá namorando o engolidor de espadas.

Hey, eô, eô! Grita o rei da lambada.

                -O engolidor de espadas?

                -Exato. Mas agora que você falou de cafajestice, falou caminhando rumo à vitrola e mudando o disco - eu quero que você me explique, aquela história que as siamesas me falaram, de que a domadora de tigres viu você amolegando aquela novata, a mulher elástico.

                 -Meu bem, eu estava ajudado ela a se alongar.

                 -Ah é? Aí você aproveitou, se alongou também e de quebra apresentou o picadeiro pra ela né? Seu arquiteto de lego.

                  -Minha barba doce, seja mais flexível...

                  -Flexível? Então quer dizer que eu não sou flexível o bastante para você?

                  -Não é isso que eu quis dizer minha peludinha.

                  -Era sim! Sorte sua que eu devolvi as facas do atirador!

                  -Barbudinha, você não percebe que estão armando pra cima da gente?

                 -Eu percebi. Percebi que você foi quem ficou de barraca armada quando as dançarinas de cancan passaram por você no último espetáculo. Admite Jóquei de cavalo-marinho!

            A mulher barbada sai aos prantos do trailer rumo ao da Feiticeira Madame Margot, no meio do caminho chuta os macacos cantores, que faziam uma serenata para a monga e grita com os cachorros dançarinos que pulavam pra lá e pra cá.

                 -Margot, me acode! A sua bola de cristal acertou, realmente foram as pequenas coisas que me deram dor de cabeça. Buááá...

            Enquanto isso, Beto fica no trailer. Pensou até em correr atrás de Ana, mas seria uma cena bizarra demais, um anão correndo pra consolar uma mulher barbada. Melhor deixar as coisas se aquietarem. As siamesas, a domadora de tigres e os palhaços inventaram aquela história. Queriam mesmo ver o circo pegar fogo. Se vingaria, mas não essa noite. Juntou algumas de suas coisas e saiu rumo à barraca do Faquir. Sabia que lá teria uma cama para dormir.